A Substância

 

A diretora e roteirista francesa Coralie Fargeat, renomada pelo seu domínio do estilo horror visceral, explora as profundezas psicológicas da efemeridade da juventude e o culto obsessivo à beleza em “A Substância”. O filme retrata uma perturbadora e desesperada obsessão em busca do tempo perdido pela ex-estrela de Holywood Elisabeth (Demi Moore) que, após um acidente de trânsito, embarca em uma jornada desconcertante para resgatar a sua juventude. Através da injeção de uma substância enigmática, Elisabeth se metamorfoseia na jovem e vibrante Sue (Margaret Qualley), enquanto sua própria idade avança de forma inexorável.

Fargeat arquiteta um ambiente gélido e clínico que reflete a alienação e a crueldade do universo da beleza cultuado pelo marketing. A estética fria e quase cirúrgica do filme espelha a distorção e decadência dos personagens, cuja transformação é representada de forma aterrorizante e lenta ao substituir o diálogo por uma narrativa visual que enfatiza a fronteira entre o horror e a beleza. A performance de Dennis Quaid e de outras figuras masculinas ao longo da história são desenhadas como caricaturas grotescas, transformadas em figuras de um pesadelo surreal.

À medida que a trama avança, a frieza estética do filme evolui para um universo macabro, onde a beleza feminina é associada ao horror e à destruição, como se os corpos fossem apenas recipientes para um desejo insaciável, mergulhados em um banho de sangue que remete a “Carrie – A Estranha” de Brian De Palma e influenciados, de forma evidente, por ícones cinematográficos tais como: “O Iluminado” de Kubrick, “A Mosca” de Cronenberg e “O Cisne Negro” de Darren Aronofsky, conferindo ao filme uma intertextualidade que oscila entre tributo ao gênero de suspense e terror psicológico e a ficção científica.

A corajosa performance de Demi Moore como Elisabeth retrata visceralidade banhada em exagero visual e mar de sangue, numa intensa entrega que explora a ambiguidade do envelhecimento – embora sua profundidade emocional seja frequentemente obscurecida por uma enxurrada de sensacionalismo e por excessos visuais. Apesar de a crítica aos estereótipos de beleza e ao hedonismo seja clara, a abordagem crua do filme às vezes substitui a reflexão por uma aceitação forçada de sua brutalidade.

“A Substância” tem potencial para se estabelecer como uma obra-prima do terror psicológico. Fargeat parece se deleitar em subverter as ansiedades do envelhecimento com um espetáculo que perturbador e fascinante. Sua visão é hipnótica e desafiadora e oferece um banquete visual que, apesar de um desfecho prolongado, incita um desejo insaciável por mais. O filme, com sua abordagem exagerada e imaginativa, redefine o horror contemplativo, fazendo de “A Substância” um exemplo marcante e inovador do gênero.

Por Mauro Senna

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