Festival do Rio 2024 - Promessa – A Arquitetura De BV Doshi

 

No documentário “Promessa – A Arquitetura De BV Doshi”, o cineasta Jan Schmidt-Garre se aventura por um bazar vibrante em Ahmedabad, onde o arquiteto, em um gesto que poderia ser descrito como a encarnação do egotismo bem-intencionado, revela o berço de sua carreira: um modesto prédio de dois andares. A cena, que poderia muito bem ser um quadro de um filme de arte, é repleta de lirismo, mas também nos provoca um sorriso sutil de ironia — afinal, quem diria que um monumento ao orgulho arquitetônico poderia ser tão, bem, pequeno?

O documentário é uma ode à interseção da natureza e da arquitetura, destacando os projetos de Doshi com uma reverência que beira a idolatria. Desde o Instituto de Indologia até o campus do Indian Institute of Management em Bangalore, a cinematografia flui como um soneto, buscando capturar a essência das estruturas que foram, de fato, moldadas pela mão e pela mente do arquiteto. Mas, enquanto a câmera dança entre corredores e árvores, é difícil não se perguntar se o verdadeiro espetáculo não é a arquitetura, mas a forma como Doshi se apresenta como um personagem principal nesse palco construído.

O entusiasmo infantil de Doshi, embora encantador, pode evocar a imagem de um artista que ainda não conseguiu se desvencilhar do reflexo do seu próprio espelho. A busca incessante pela interação entre o homem e o espaço é admirável, mas parece que, em alguns momentos, essa interação se torna uma coreografia cuidadosamente ensaiada, onde cada passo dado por alunos e professores é um eco da própria visão de Doshi sobre o que a arquitetura deve ser. “Como deve ser a universidade ideal?” ele pergunta, enquanto a câmera captura sorrisos e risos infantis, fazendo o espectador ponderar: a arquitetura realmente molda o ser humano ou somos nós que moldamos a arquitetura ao nosso redor?

Schmidt-Garre, ao optar por mostrar a arquitetura em ação — e não como meras esculturas — oferece um vislumbre valioso, mas, ao mesmo tempo, parece deixar de lado a crítica que poderia enriquecer a narrativa. A visão de Doshi, embora altruísta, não pode escapar da sombra do modernismo que ele tão habilmente tenta evitar. Sua busca por uma "realidade ideal" para o aprendizado e a vida acadêmica se choca, em alguns pontos, com a natureza muitas vezes caótica e imperfeita da experiência humana.

O documentário, que celebra os 95 anos de Doshi, é um convite a uma reflexão mais profunda sobre a relação entre o espaço construído e seus habitantes, mas sem uma análise crítica, ele acaba por se tornar uma celebração do arquétipo do arquiteto como um demiurgo, cujas ideias brilhantes são elevadas quase ao status de dogma. A beleza que emerge de suas estruturas pode ser profunda, mas talvez ela também nos convide a questionar: será que o arquiteto, em sua busca por construir o ideal, não corre o risco de esquecer que a imperfeição humana é, na verdade, a verdadeira arte da vida?

Por Mauro Senna

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