Ipsilon

 


“Ípsilon”, dirigido e escrito por Guylherme Almeida, vai além do entretenimento ao explorar a desumanização e a corrosão dos laços sociais em um mundo sem significado. A história segue Carolyna, uma astronauta que retorna à sua cidade natal e encontra um aterro de pneus, simbolizando a deterioração dos sonhos e a reciclagem de esperanças.

Juliana Plasmo interpreta Carolyna que, ao revisitar seu passado, enfrenta o dilema da alienação contemporânea. Sua jornada é tanto física quanto emocional, tentando se reconectar com um passado que parece distante em meio ao abandono. Almeida usa a peça para confrontar a realidade de muitos municípios brasileiros, transformados em cenários de desperdício.

A peça também aborda a tragédia pessoal de Almeida, a morte brutal de seu pai, que adiciona um peso emocional à narrativa, entrelaçando ficção e realidade de forma visceral. Esse elemento humaniza a obra e a transforma em um grito de resistência contra o conformismo.

A trilha sonora original de Miguel Mendes e a iluminação sensível de Ana Quintas complementam a atmosfera dramática, transformando som e luz em extensões do estado emocional da protagonista. Cada nota e feixe de luz reforçam a urgência da mensagem: a necessidade de revisitar nossas origens, mesmo que estejam imersas na lama e no lixo.

O figurino de Alê Veiga não apenas veste a personagem, mas reflete suas lutas internas. As escolhas visuais, junto à cenografia austera de Almeida, criam um cenário desolador, mas poeticamente belo, através de uma instalação artística interativa com a personagem e o público. O contraste entre o passado de Carolyna e seu presente serve como um lembrete de que as maiores distâncias são medidas em experiências e aspirações, não em quilômetros.

“Ípsilon” não é apenas uma crítica à sociedade contemporânea, mas um manifesto sobre a importância da memória e da reconexão. Ao transformar a cidade natal de Carolyna em um cemitério de pneus, Almeida estimula a reflexão sobre as perdas em nome do progresso e, mais importante, sobre o resgate do que realmente importa. Em um mundo cada vez mais imune à empatia, “Ípsilon” se ergue como um farol em busca do resgate da humanidade em meio ao caos.

Por Mauro Senna e Paulo Sales

Foto: Msenna

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