Arca de Noé
"Arca de Noé" se apresenta como uma animação musical ousada, com a proposta de reinterpretar o clássico bíblico da arca. Porém, ao tentar cativar um público jovem, o filme acaba se perdendo em suas escolhas criativas, que muitas vezes parecem mais tentativas de se adaptar às tendências atuais do que uma construção sólida de história e mensagem.
Com uma premissa que poderia oferecer uma visão refrescante – animais participando de um concurso de talentos –, a execução deixa a desejar. O humor, por exemplo, surge de forma dispersa, muitas vezes apelando para piadas rápidas e referências digitais que, embora busquem ressoar com a geração mais nova, soam forçadas e desconexas. A trama se arrasta, deixando a leveza inicial para trás e transformando a experiência em algo repetitivo e sem a energia necessária para manter o público engajado.
Embora a intenção de tocar em temas contemporâneos, como mudanças climáticas e direitos humanos, seja evidente, essas questões aparecem de maneira superficial, sem profundidade ou reflexão genuína. O próprio Noé, que deveria ser uma figura central na narrativa, acaba relegado a um papel coadjuvante, como se a história estivesse mais interessada em discutir aspectos modernos do que explorar o conteúdo espiritual do clássico.
A representação de Deus, por sua vez, é algo que poderia ter sido mais interessante, mas se perde em uma abordagem autoritária e distante, o que acaba mais confundindo do que provocando qualquer tipo de reflexão crítica. O humor predominante, ao invés de facilitar a abordagem de questões teológicas ou filosóficas, parece mais uma tentativa de tornar o filme "cool", mas sem conseguir realmente criar um espaço para discussões mais profundas.
Os personagens, por sua vez, falham em se tornar memoráveis. Baruk, o leão protagonista, tenta se posicionar como o "senhor da arca", mas acaba sendo uma versão desbotada de outras figuras similares vistas em animações anteriores. A impressão que fica é de que a tentativa de criar um elenco de personagens cativantes resulta mais em caricaturas do que em figuras com as quais o público infantil possa se identificar ou se importar.
No aspecto musical, o filme peca ao não explorar adequadamente o potencial das canções de Toquinho e Vinícius de Moraes. As versões apresentadas não fazem jus à riqueza melódica e emocional das músicas originais, e os arranjos não se conectam com o público jovem de hoje, deixando uma sensação de missed opportunity.
No final das contas, "Arca de Noé" tinha todo o potencial para ser uma reinvenção emocionante e relevante de uma história clássica. Porém, a falta de coesão e a tentativa de se adequar a tendências de forma forçada resultam em um filme que não consegue entregar nem o que promete nem o que poderia ter sido. Em vez de deixar um rastro de encantamento, o filme acaba sendo uma promessa não cumprida, deixando um vazio onde deveria ter havido uma história cativante e com significado duradouro.
Por Mauro Senna
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