Mickey 17
A expectativa em torno de Mickey 17, o mais recente filme de Bong Joon-Ho, surge com o ar de um experimento cinematográfico, onde a fórmula esperada pelo público é constantemente desafiada, criando uma tensão que beira o imprevisível. Robert Pattinson, ao assumir um papel duplo, apresenta uma proposta intrigante, mas o resultado final acaba se revelando tão errático quanto uma equação que se recusa a ser resolvida.
Baseado no romance Mickey 7, de Edward Ashton, o filme narra a história de Mickey Barnes – um homem cuja vida desmorona após um erro financeiro catastrófico, forçando-o a embarcar em uma missão de colonização espacial em um planeta distante. A premissa carrega uma sensação de inevitabilidade, mas o enredo rapidamente se arrasta para a repetição monótona: Mickey morre, é clonado e retorna à vida como uma nova versão de si mesmo, após cada "suicídio profissional" imposto pela missão. Embora o conceito de clonagem e suas implicações filosóficas seja central para a trama, o filme falha em explorar essas questões com a profundidade necessária, oferecendo uma abordagem superficial e frustrante para um público que ansia por mais do que uma reflexão simplista e quase enganosa.
Em minha leitura de Mickey 17, a narrativa pode ser compreendida como se fosse segmentada em três atos, com cada parte explorando diferentes aspectos da história e do destino de Mickey. Nos dois primeiros "atos", ou seções, Bong Joon-Ho aposta na comédia de situações envolvendo a morte e a clonagem de Mickey. A princípio, a ideia de um personagem que morre diversas vezes e retorna à vida traz à mente a mesma premissa de Feitiço do Tempo (Groundhog Day), com direção de Harold Ramis e lançado em 1993. Nesse clássico da comédia, o personagem de Bill Murray é forçado a reviver o mesmo dia repetidamente, o que gera tanto humor quanto reflexões sobre a vida e o tempo. No entanto, em Mickey 17, o que poderia ser uma exploração interessante da memória e da existência humana logo se transforma em uma sequência cansativa de mortes recicladas. A comédia, que parecia inicialmente um recurso cativante, se revela uma exaustiva repetição de piadas que, em vez de proporcionar alívio, acabam se tornando enfadonhas e mecânicas, incapazes de evoluir ou aprofundar as questões filosóficas que o filme tenta levantar.
A introdução de Mickey 18, um clone selvagem e volátil, ocorre por engano, resultante de uma falha da equipe, e oferece uma pequena centelha de energia no filme. A interação entre Robert Pattinson e ele mesmo – interpretando tanto o introspectivo Mickey 17 quanto o agressivo Mickey 18 – tem seu charme, mas, como grande parte do filme, segue uma linha de frustração. A promessa de uma exploração psicológica complexa se mantém apenas na superfície. Mesmo o suspense gerado pelas interações dos dois Mickeys, com suas brigas e tentativas de aniquilação mútua, soa mais como um jogo de esconde-esconde do que uma reflexão existencial genuína sobre identidade e clonagem.
O que realmente compromete a estrutura de Mickey 17 é a falta de profundidade nas questões subjacentes que Bong Joon-Ho sempre abordou com maestria em sua filmografia. Filmes como Parasita (2019) e Expresso do Amanhã (Snowpiercer, 2013) são exemplos claros de como o diretor explora com profundidade temas como o impacto do colonialismo, o fascismo e as divisões de classe. Em Mickey 17, esses mesmos temas são tratados com uma originalidade mínima. A alegoria de uma nave espacial tentando colonizar um novo planeta acaba sendo apenas um reflexo vago dos dramas sociais que já marcaram suas obras anteriores. A sátira, que poderia se aprofundar nesses temas, se perde em camadas superficiais e mal abordadas, terminando sem uma análise substancial sobre questões tão complexas.
A atuação de Robert Pattinson, sem dúvida, é o grande destaque de Mickey 17. Mesmo diante das falhas estruturais do roteiro, ele consegue entregar uma performance convincente. A química entre ele e Naomi Ackie, que interpreta Nasha, também brilha, oferecendo uma breve chama de afeto em meio à frieza predominante da narrativa. Por outro lado, Mark Ruffalo e Toni Collette, embora tragam boas performances, acabam se perdendo em personagens pouco desenvolvidos, que pouco contribuem para o avanço do enredo. Suas participações parecem mais decorativas, em uma trama que, infelizmente, não consegue encontrar uma direção clara.
Após o sucesso estrondoso de Parasita, as expectativas para o retorno de Bong Joon-Ho estavam em alta, alimentando a esperança de que o diretor entregasse mais uma obra cinematográfica impactante. Contudo, Mickey 17 não consegue atingir o mesmo nível de profundidade e complexidade, oscilando entre o tedioso e o superficial. Embora o filme falhe em cumprir as promessas de um grande retorno, ele serve como um lembrete de que nem todo experimento cinematográfico atinge os objetivos almejados. Ainda assim, o trabalho de Bong Joon-Ho é, por si só, uma razão para assistir ao filme – não apenas pela expectativa de uma obra-prima, mas pela oportunidade de testemunhar a ousadia criativa de um diretor que, mesmo em suas falhas, continua a desafiar convenções e explorar novas possibilidades no cinema.
Por Mauro Senna
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