Meu Remédio

 

Ah, o nome. Esse cartão de visita involuntário, que nos acompanha desde a maternidade até o epitáfio. Meu Remédio, solo performático de Mouhamed Harfouch, é justamente uma ode ao nome — esse primeiro rótulo da vida — e ao que dele se faz quando o mundo insiste em trocadilhos, confusões fonéticas e piadas escolares de gosto duvidoso. Mas o ator, longe de se ofender, devolve tudo com um remédio de sua própria fórmula: uma comédia autorreferente, terapêutica e deliciosamente irônica.

Mouhamed, que idealiza, escreve, produz e, claro, atua (porque dormir é para os fracos), nos entrega uma verdadeira feira livre de talentos. No seu primeiro monólogo, ele canta, toca instrumentos, pula no tempo e no espaço com a elasticidade dramática de quem passou 30 anos vivendo entre luzes e bastidores — e, provavelmente, sem tempo para terapia. Quem precisa de psicanálise quando se tem um palco e um baú cheio de memórias?

A direção de João Fonseca age como um farmacêutico cênico: dosando com precisão o antiácido do riso, o colírio da emoção e aquele placebo poético que só o bom teatro é capaz de receitar. João, aliás, evita qualquer overdose estética e deixa que o texto — simples como uma bula, mas potente como um xarope caseiro — fale por si.

O cenário de Nello Marrese é um espetáculo à parte, repleto de magia cênica, que poderia estar num desapego minimalista digno de Marie Kondo, não fosse por um baú que guarda memórias com valor afetivo e histórico — e que talvez, em outro contexto, servisse de móvel vintage no apartamento de um hipster carioca. Mas aqui, funciona como relicário emocional e trampolim para as divagações do ator. O baú não é o único elemento cênico, mas traz consigo a bagagem repleta de surpresas, como a bolsa de Mary Poppins.

O desenho de luz de Dani Sanchez, por sua vez, faz o que toda boa iluminação deve fazer: enxerga o ator por dentro. Ela ilumina não somente semblante e o cenário, mas acende os porões da memória e os becos do afeto. Há momentos em que parece que a luz sorri — o que é uma façanha luminotécnica digna de nota.

Ney Madeira e Dani Vidal entregam figurinos que fazem o mesmo ator circular do uniforme colegial às túnicas árabes com a fluidez de quem troca de roupa no vestiário da vida. É um desfile silencioso entre a ancestralidade e o cotidiano, entre o passado e o agora — com direito a um toque de desfile conceitual em alguma passarela entre Beirute e Benfica.

No fim, o que Meu Remédio nos oferece é mais do que um monólogo. É um espelho divertido (e por vezes doloroso) que nos devolve perguntas sobre origem, nome, afeto e pertencimento. E tudo isso embalado em uma comédia que, como um bom xarope caseiro, desce com sabor e aquece o peito.

E se o nome Mouhamed já foi motivo de riso alheio, hoje é motivo de aplauso. Um nome que virou verbo, poema e palco. E que, com afetuosa ironia, nos lembra que, às vezes, o maior remédio mesmo é aceitar quem somos — com nome, sobrenome e a história inteira que vem junto.

Por Mauro Senna


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